quarta-feira, 17 de junho de 2015

quarta-feira, 10 de junho de 2015

do som

o som da voz é uma janela da memória e permanece por muito tempo, mesmo depois de tudo já ter passado, o rosto desaparecido quase excepto uns traços. distraída a olhar para nada, a voz devolve uma memória ao sol, as sardinheiras entre a nossa conversa e o canal verde, uma bandeira de verão.

domingo, 7 de junho de 2015

aparentes lírios

a entrada na ponte através de uma quase espiral, ladeada de flores amarelas, bravas ou não. em baixo, a água descia oculta por nevoeiros densos que molham as superfícies.

pareciam lírios amarelos, mas não sei se eram.

a bia tem cancro há meses, penso que tem até dois cancros. desde que soube, imagino eu, deixou de aparecer em certos locais e de falar com certas pessoas. o caso dela, ao contrário da prática corrente de anúncio seguido de apoio e ajuda de familiares, amigos, grupos de desconhecidos por vezes, tem sido gerido à antiga: não se fala nisso, não se diz a palavra, não se pergunta pela saúde, nem uma referência. a bia sai mais, veste-se com roupas extravagantes, vai a locais da moda e tira fotografias para mostrar ao mundo que está melhor do que nunca. os filhos, já crescidos mas não adultos, fazem o mesmo que ela. o mundo que os vê pensa que nunca estiveram tão bem, nem tão prósperos, nem tão felizes.

os lírios, especialmente os brancos, são associados à pureza e à inocência, as características das raparigas virgens. as palavras resvalam nestes atalhos de significados, as construções que edificamos em torno do corpo e do tempo como apoio ou guia, porque estamos perdidos e o corpo está em queda livre. perda e queda são palavras associadas a tempos sombrios, assim sabemos que nos rodeamos de ilusões. perder a cabeça e cair de amores, será esse um momento sombrio?

a bia quer mostrar que vive a vida como uma combatente e que nunca baixará a cabeça, nem levantará o lenço branco da capitulação. branco de novo. é demasiado nova para entregar o castelo ao seu inimigo imaginado e, no entanto, neste dia de hoje ela faz contas ao registo dos seus dias. a bia organizou uma grande festa e convidou dezenas de amigos para um serão chique e sofisticado. comida e bebida servidos com fartura, como sonhamos que antigamente eram servidos os príncipes.




sábado, 6 de junho de 2015

folhas

a luz na mesa e as folhas no chão, embora não seja ainda outono. piso as folhas no chão dos carreiros, à sombra, para lhes ouvir o barulho. esta é a sombra.